quarta-feira, 1 de junho de 2016

2016

        O ano de 2016 me reservou o direito de escolher e ser escolhida pela turminha de alunos do ano de 2015.
       Decidimos conjuntamente continuar com o trabalho de construção da sequência didático-cênica. Recomeçamos passo a passo a sequência didática já postada aqui que pode ser revista pelo link: http://sequenciadidaticocenica.blogspot.com.br/2016/05/ligacoes.html.
        Sim! Recomeçamos! Pois acredito no ditado: "ano novo, vida nova", além de ter recebido outros alunos que não participaram do processo no ano anterior.







APRESENTAÇÃO NA ESCOLA

A pedido dos alunos, apresentamos nossa sequência didático -cênica, ainda em construção num sábado letivo na Escola Municipal Prof° Sérgio de Oliveira Marquez:


Foi um momento muito importante para os alunos e de muito orgulho pra mim...
Depois de muito tempo afastada das "aparições", lá estava eu e meus alunos mostrando nosso trabalho!!!


MOMENTOS

A oportunidade do mestrado me fez repensar minha maneira de ministrar aula. 
Foram muitos os momentos e muitas as palavras que estiveram presentes nesses 24 meses...

REPENSAR!!!!!
                           REINVENTAR!!!!
                                                          REFAZER!!!!
                                                                                     REFLETIR!!!!!
                                                                                                                       ANALISAR!!!!!
                                                                                      MUDANÇA!!!!
                                                      ESPERANÇA!!!!!
                               ESCUTA!!!!!
EXPERIÊNCIA!!!!



segunda-feira, 23 de maio de 2016

REGISTROS DE SALA DE AULA

          Ao permitir que levassem músicas de suas escutas pessoais, percebo a presença repetida do funk e da música internacional, que eram inclusive cantadas em coro pelos alunos. Observado esse fato, reafirma-se que o aluno não é uma página em branco, que a partir da sua vivência, da sua escuta, encaminho uma reflexão que se faz por meio de suas experiências particulares com as letras apresentadas.

A partir dessa escuta musical, estabelecemos um trabalho corporal com a montagem de sequências coreográficas, que deram origem às primeiras montagens em sala como podemos observar nos vídeos a seguir. 

LIGAÇÕES - SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Após a vivência com o Parangolé em uma das disciplinas do mestrado, e por já estar trabalhando a escuta musical com meus alunos do Ensino Regular na escola que ministro aulas, decido por elaborar, após também orientação da minha banca de qualificação uma SEQUÊNCIA DIDÁTICA  que  lhes apresento:  


SEQUENCIA DIDÁTICA
TEMA: ESCOLHA MUSICAL  E PARANGOLÉ (HÉLIO OITICICA)

CONTEÚDO: Mistura de estilos musicais com o Parangolé (Hélio Oiticica) na construção de sequências coreográficas.
OBJETIVOS:

  •          Compreender a possível relação e utilização das cores, dos tecidos do Parangolé, na construção coreográficas a partir dos estilos musicais dos alunos.
  •                  Experimentar o processo de criação em arte (Criação de coreografias)
  •                  Atribuir signos à própria construção coreográfica
  •                Experimentar possibilidades expressivas da dança, do Parangolé.
  •               Interpretar e associar as cores dos tecidos às montagens sequenciais 
  •                Observar as relações dos estilos musicais no cotidiano dos alunos.
  •               Produzir coreografias a partir das vivencias pessoais dos alunos envolvidos.

ANOS: 7°, 8° e 9° ano
TEMPO ESTIMADO: 14 aulas de 50 minutos cada.
DESENVOLVIMENTO:
1° AULA:
            Explicar aos alunos a sequencia das próximas aulas: que consiste na escuta dos gostos musicais dos alunos; conhecimento prévio do ritmo escolhido (pesquisa no laboratório de informática); conhecimento do Parangolé (Hélio Oiticica); montagens coreográficas com a mistura do ritmo musical escolhido com o Parangolé.
      Partiremos da escuta dos alunos. Primeiramente lançar perguntas no quadro, para reflexão e posterior socialização:
à Quais tipos de música ouvem?
à O que gostam nas músicas que ouvem?
à Quando ouvem prestam atenção na letra da música?
à A letra da música interfere na escolha da música?
à Você ouve só um tipo de música?
à As músicas que ouvem tem alguma influência do gosto musical de seus pais?
(Essas são só algumas perguntas norteadoras, para começar um bate papo prévio com os alunos – sondagem. De acordo com a conversa, e percepção, você professor pode lançar mão de outras questões) – 10 minutos

1.1   – Esperar que os alunos reflitam sobre essas questões. Deixar o espaço aberto para quem quiser falar, dar sua opinião e se colocar.  (Como os alunos poderão se manifestar livremente, acredito que já terá se passado uns 30 minutos (chamarei esse momento de “Roda de Conversa”)
1.2   – Reserve os 10 minutos finais para o direcionamento da tarefa de casa, que será passo importante para as próximas aulas: Peça que os alunos tragam de casa no máximo duas músicas de seu gosto pessoal.
Estipulei algumas regras (que ficará a seu critério, segui-las ou criar outras de acordo com a sua realidade e convicção):  *Os alunos não poderiam trazer músicas ofensivas, com xingamentos às raças, mulheres, escolhas sexuais; *Não trazer músicas que sejam sexualizadas (uso de palavras explícitas de conotação sexual); *Não trazer que façam apologia ao crime, às drogas, ao preconceito.

2° AULA:
            2.1 - Ao chegar na sala realizar o levantamento de quantos alunos trouxeram suas músicas para serem socializadas. Listar no quadro quais são estes e se possível o nome das músicas que trouxeram. (Como os alunos tem o hábito de “esquecerem” suas tarefas  de casa, aconselho você, professor, levar também pelo menos duas músicas do seu gosto para socialização) – 10 minutos
            2.2 – Socialização das músicas: Distribuir a sala numa grande roda, de modo que todos possam se olhar, e de acordo com a sequencia listada no quadro ir colocando as músicas para serem apreciadas por todos – 30 minutos (leve em consideração que cada música tem em média 3 minutos - 3,5 minutos, portanto, neste dia serão ouvidas entre oito à nove músicas; aquelas que não forem apreciadas nesta aula, deverão ser ouvidas na aula seguinte)
            2.3 – Deixar os 10 minutos finais da aula para a “Roda de conversa”, verificando com os alunos se houve repetição na escolha das músicas; como é apreciar o gosto musical do colega; reforçar que as três próximas aulas serão de apreciação musical, portanto os alunos devem continuar trazendo as músicas.

 3° AULA, 4° AULA E 5° AULA
Repetir todo processo da 3° AULA, nas três aulas seguintes.
Observar quais foram os estilos musicais predominantes, pois a partir deste realizaremos a segunda parte do trabalho. 

6° AULA
            Definido o estilo musical predominante durante o processo das escutas musicais, levar os alunos ao laboratório de informática para uma pesquisa em torno deste, procurando saber sua origem, história. Essa pesquisa é importante para os alunos conhecerem o estilo musical além da escuta.   

7° AULA
            7.1 - Elaborar um PowerPoint, ou uma aula explicativa, ou uma matriz fotocopiada destacando as principais características do estilo musical escolhido, como base na pesquisa dos alunos e na sua pesquisa mais aprofundada.
                     7.2 - Apresentar aos alunos o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=2zTJDCugNB4
         7.3 – Conversar com os alunos sobre suas impressões em relação ao vídeo apresentado.
       7.4 – Solicitar que os alunos, em casa, estabeleçam uma relação entre o vídeo apresentado e o estilo musical escolhido.

8° AULA
            8.1 – Professor levar para a sala, diversos tipos, tamanhos e cores de tecido; seleção de diversas músicas do estilo selecionados a partir da escuta musical dos alunos.
                8.2 – Oficina: Abrir espaço, deixando o “meio” da sala livre para as atividades; Solicitar que os alunos andem pelo espaço, procurando sentir o seu corpo, ouvindo a música que toca, observando os colegas; percebendo o ritmo e como ele reverbera no seu corpo.
Depois que estiverem andando no ritmo da música, entregar aos poucos o tecido, e solicitar que comecem a introduzir o tecido em seus movimentos. Deixar que andem pelo espaço, movimentando o tecido; dançando com o tecido.
   8.3 -  “Roda de conversa”: Deixar que os alunos exponham suas sensações. Estimular a conversa com questões como: O tecido ajudou na construção dos movimentos? Como é dançar sem o tecido? E com o tecido?
    8.4 – Solicitar que os alunos tragam tecidos para a próxima aula.

9° AULA
            9.1 – Oficina: Utilizar a mesma seleção de músicas da aula passada. Solicitar que os alunos andem pela sala, percebendo seu corpo, seus colegas, seu ritmo. Introduzir os tecidos trazidos por você professor, mas também aqueles trazidos pelos alunos.
Orientar que quando a música parar, deverão se organizar em duplas, por afinidade de cor do tecido (Professor, eu escolhi nesse primeiro momento esse critério, mas você pode escolher aquele que achar mais adequado para sua sala). Formado as duplas, soltar a música novamente e orientar que agora se movimentem, dancem juntos, observando a relação com dos corpos com o tecido; a mistura dos tecidos.
Parar a música novamente, e solicitar que a dupla já formada se junte a outra dupla de cor oposta a sua cor (Professor, eu escolhi nesse primeiro momento esse critério, mas você pode escolher aquele que achar mais adequado para sua sala). Soltar a música novamente e orientar que se relacionem: corpo, movimento, dança, tecidos.
            9.2  - “Roda de Conversa”: Deixar que os alunos exponham suas sensações. Estimular a conversa com questões como: Dançar sozinho é mais fácil do que com o outro? A cor do tecido influencia nas ações? O tecido do outro acrescenta algo na sua movimentação?
            9.3 – Explicar aos alunos que o grupo formado por duas duplas (4 alunos), deverão se organizar de forma que os grupos fiquem com 6 alunos. A partir de agora, esses serão os grupos para elaboração da sequencia coreográfica. Cada grupo, escolherá uma música, dentro do ritmo selecionado. Terão a liberdade para elaborar, criar as montagens coreográficas, utilizando o tecido como elemento obrigatório.

10° AULA, 11° AULA E 12° AULA
            As três aulas seguintes serão dedicadas às criações artísticas coreográficas dos alunos.
Permitir que os alunos se organizem em seus grupos. O ideal seria que esse trabalho fosse realizado em uma sala ampla, como a maioria das escolas não contam com essa sala, proponho que encontrem na escola um espaço maior, como a quadra, o quiosque, a sala de vídeo.

13° AULA
            Socialização em sala de aula das coreografias elaboradas. Na experiência que tive, deixei a cargo dos alunos envolvidos a decisão quanto a apresentação para os demais alunos da escola. Nesse momento professor, os alunos decidem, de acordo com seus desejos a vontade ou não de socializarem o produto do processo com os demais membros da escola.

14° AULA
            Avaliação do processo.
            14.1 - “Roda de conversa”: Dispor a sala em círculo e deixar que os alunos socializem suas sensações. O que foi bom? O que funcionou? O que não funcionou? Como se sente?
             14.2  - Solicitar que os alunos desenhem, ou escreva suas sensações e sentimentos em relação ao processo de criação vivenciado.

AVALIAÇÃO FINAL
Instrumento para verificação da aprendizagem
Critérios
   

  •            Participação na discussão em sala.
  •         Participação nas oficinas.
  •           Sequencias coreográficas.


  •           Diálogos entre professor / alunos sobre a abordagem: gostos musicais.
  •            Atenção ao que está sendo exposto.
  •            Relatos verbais.
  •            Participação ativa nas oficinas propostas.
  •            Participação efetiva nas montagens coreográficas.
  •  Depoimentos espontâneos / participações. 

PARANGOLÉ COMO POSSIBILIDADE CRIATIVA

PARANGOLÉ: DO FAZER AO OBSERVAR
Neibe Leane da Silva

Redescobrir o sal que está na própria pele
Macia...
Redescobrir o doce no lamber das línguas
Macias...
Redescobrir o gosto e o sabor da festa
Magia...
(REGINA, 1980)


A sala está na penumbra, uma voz solicita que os corpos se enrosquem, se toquem por onde não costuma se tocar, sinta o outro, a sensação do toque no lugar desconhecido. Fico observando essa cena por uns 15 minutos, mas já latejando em mim a vontade de tocar, de ser tocada. Entro na roda, depois do convite do mediador.
Tocar o outro, sentir a respiração, meu corpo pulsava, desejoso do encontro. Não sei precisar o tempo que ficamos nesse embaraço de corpos, mas quando foi solicitado que nos separássemos e encontrássemos o outro apenas pelo olhar, meu corpo sentiu imediatamente a falta do contato físico.
O outro pelo olhar me convidava, mesmo sem tocar, era como se nossos corpos fossem um só, distantes, mas próximos.  Nossos olhares guiavam nossos corpos num balé silencioso, mas que pulsava em meu ser. Não havia música no ambiente, mas eu, no meu universo particular  escutava a seguinte música: <https://www.youtube.com/watch?v=1jbgA1Xa1FM> . Os corpos se encontram num ritmo de frenético a calmo, numa sensualidade e numa intensidade marcante e reveladora.
Fiquei extasiada com este momento, percebi nitidamente que meu corpo está adormecido para a prática, não sei se pela falta de vontade, de tempo, de espaço.  Ficaria o dia todo nesse envolver o corpo, olhar, tocar, sentir, dançar, relacionar, aproximar, afastar, querer o outro. Nada mais existia, além do meu corpo implícito neste fazer.
Passamos então para a elaboração do Parangolé, que  segundo  conversas anteriores durante a disciplina Artes do Corpo e Práticas Pedagógicas, ministrada pelo Prof. Dr. Narciso Telles no programa de pós-graduação Stricto Sensu Mestrado Profissional em Artes – PROFARTES, pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, se dá por um relacionar, um criar, um dançar utilizando um pano, o espaço e os estímulos exteriores.
Para Hélio Oiticica, no seu texto “Anotações sobre o Parangolé”, ele coloca que a dança é o que revela a estrutura da obra, dançar com o pano, com o manto, o participador recebe as influências do ambiente, do devir, da experiência:

“Desde o primeiro “estandarte”, que funcionava com o ate de carregar (pelo espectador) ou dançar, já parece visível a relação da dança com o desenvolvimento estrutural dessas obras da “manifestação da cor no espaço ambiental” (OITICICA, 1986, p. 70)

.
Por espaço ambiental, Paula Braga esclarece:

Podemos entender  o espaço ambiental é articulado de Oiticica como um espaço que dissolve fronteiras entre o intelectual e o mítico, espaço acionado pela estrutura da obra. A dança é o ato em si, pura imanência, mas capaz de invocar o dionisíaco, o coletivo, um estar no mundo que é ao mesmo tempo imanente e mágico. O transcendente é substituído pelo ambiental, espaço de vivências mágicas proporcionadas por estruturas terrenas. (BRAGA, 2013, p. 114)
 

            Saí da sala com meu tecido, buscando essa dança, esse relacionar com o “mundo de fora”. Percorremos o campus do Santa Mônica da Universidade Federal de Uberlândia. Experimentei, usei o tecido como manto, como burca, como capa, dancei e senti o vento tocar o tecido e faze-lo balançar. Não consegui avançar mais, sentei, ainda enrolada no meu manto, mas  me detive a observar meus colegas de turma, que pareciam embriagados pelo tecido, era como se o tecido fosse seus corpos, sua dança, sua fala.
            Cores diversas, que dançavam e se comunicavam com os transeuntes, que as vezes paravam pra observar, outros continuavam seu caminhar sem “perceber” o acontecido. Ouvi diversas falas, do querer participar, e participaram, aos que chamavam aquilo de “palhaçada”.
            Nada importava para mim que estava a observar, ou para os que “Parangoleavam”, do que a sensação pura de ver na cor, no manto, no tecido o seu desenrolar pelo espaço. Mário Pedrosa no prefácio do livro “Aspiro ao grande labirinto” nos diz: “ Arte ambiental é como Oiticica chamou sua arte. Não é com efeito outra coisa. Nela nada é isolado. O conjunto perceptivo sensorial domina.” (p. 11)
            Oiticica poeticamente compreende, assim como eu compreendi na minha observação que basta deixar o devir, o agir pelo movimento que o tecido levar: “A obra nasce de apenas um toque na matéria. (...) O que a transforma em expressão é nada mais do que um sopro: sopro interior, de plenitude cósmica. Fora disso não há obra. Basta um toque e nada mais.” (p. 22)
            Tenho estado num momento mais racional, talvez por isso, depois da experimentação rápida com o tecido, me coloquei a observar, mas entendi que mesmo não estando implicitamente no processo em si, a mente conduz a gente por lugares diversos e desconhecidos, e que esse vislumbrar, esse permitir é o que consiste a entrega para o fazer.  

A criação é o ilimitado; não adianta querer mentalizá-la. A mente tem o poder de aprisionar o que deve ser espontâneo, o que deve nascer. Desse maneira, porém, só consegue atrofiar o movimento criativo. Precisa-se da mente, mas com isso não nos deixamos escravizar por ela; é preciso movimentar o ilimitado, que é nascente, sempre novo, faz-se. (OITICICA, 1986, p. 22-23)



Portanto, defino que  a experiência com o Parangolé é  cenestésica, onde vários sentidos são colocados em prática, são sensações diversas, é também um fazer mesmo quando se está só a observar. É uma arte para ser sentida, tocada, compartilhada. É um constante movimentar sem o qual não seria possível a existência do Parangolé.




Referências

BRAGA, Paula. Oiticica. Singularidade Multiplicidade. São Paulo: Perspectiva, 2013.

OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

EXPERIÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR SEGUNDO LARROSA

EXPERIÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR
Neibe Leane da Silva

Estamos em constante transformação, porque na verdade não somos um sujeito pronto, acabado. Percebo então, que  nos reinventamos a partir das nossas experiências, a partir da necessidade de (re)criar  o que está em nós e o que está no devir.
Segundo Jorge Larrosa “a experiência não é outra coisa se não a nossa relação com o mundo, com os outros e com nós mesmos. Uma relação em que algo nos passa, nos acontece.” p.186. Constantemente algo passa por nós, porém nem sempre podemos entender e compreender isso como uma experiência que realmente tenha nos acontecido, que realmente tenha nos afetado de uma maneira ou de outra, como propõe Larrosa.
 Fica a pergunta: quando algo que acontece comigo é experiência? A experiência acontece e se comunica a partir do momento que eu encontro uma ressonância no outro, daí se verifica a potencia dos encontros, sejam em sala de aula, na rua, no teatro, no bar, nos relacionamentos. A partir desse estar com o outro, Antoine de Saint-Exupéry diz:

Cada um que passa em nossa vida,  passa sozinho, pois   cada pessoa é única, e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida,  passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa só.
Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo
(Exupéry, 1943)


Pensar nesse compartilhar dentro da educação, é pensar no educador como um tecedor de momentos que podem ou não ser significativos para o educando que é um sujeito aberto: “O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto, ou seja, receptivo, aberto, sensível e vulnerável. Além de ser também um sujeito que não constrói objetos, mas que se deixa afetar por acontecimentos.”, Larrosa, p. 187. 
Na medida em que a experiência acontece no contexto escolar, verifica-se nas interações, nos partilhamentos, na convivência, entre educadores e alunos que há trocas, há vivencias múltiplas que são resinificadas e aproveitadas de formas diferentes pelos envolvidos, uma vez que experimentar é vivenciar, é significar, é (re)criar, é compartilhar. Compartilhamos aquilo que vivemos.
O contexto escolar permite um constante entre olhar e fazer dos sujeitos que se encontram nesse processo,  no qual formamos e reformamos o mundo e o espaço que estamos inseridos. È notável que em cada experiência que nos acontece, que nos atravessa dentro do ambiente escolar, somos capazes de modificar a nossa forma de ver e fazer determinadas ações antes não percebidas.
Larrosa bebendo nas fontes de Walter Benjamim, acredita que vivemos num mundo em que a pobreza de experiências se faz gritante, pois passamos por várias coisas, mas é cada vez mais raro vivenciarmos de fato uma experiência, como algo que realmente toque, atravesse os sujeitos envolvidos.
Larrosa de acordo com Benjamim afirma que vivemos em um mundo com excesso de informações, que não podem ser entendidas como experiência:

O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa o tempo buscando informação, o que mais lhe preocupa é não ter bastante informação, cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber ( mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de estar informado), o que consegue é que nada lhe aconteça. (p. 154 – ensaios eróticos)

            Destaca-se também um segundo ponto em que a experiência é cada vez mais rara pelos excessos de opiniões, “ em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre a qual nos sentimos informados” (p. 155) 
            Em terceiro lugar, Larrosa sublinha que a experiência é rara pela falta de tempo. Tudo acontece rapidamente, através de estímulos efêmeros e fugazes, em forma de vivencias instantâneas,

O acontecimento nos é dado na forma de choque, de estimulo, de sensação pura, na forma de vivencia instantânea, pontual e desconectada. (...). O sujeito moderno é um consumidor voraz e insaciável de noticias, de novidades, um curioso impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio. (...) Por isso a velocidade e o que ela acarreta, a falta de silêncio e de memória, são também inimigas mortais da experiência.  (p. 157)


            Destaca-se por último  a falta de experiência em função do excesso de trabalho. Confunde-se experiência com trabalho, que é uma atividade remunerada ou não, modalidade que se relaciona com as pessoas, e que nada tem a ver com a experiência em questão.
            As razões apresentadas por Larrosa, afeta o contexto escolar, uma vez que a experiência está cada vez mais rara, por esse excesso de informação e opinião sobre tudo; pela falta de tempo e excesso de trabalho. Nós professores precisamos refletir como conduzir o tempo e a experiência dentro do espaço escolar.
            È preciso parar pra pensar, parar pra sentir, ir mais devagar, demorar-se nesse sentir, calar, ser paciente, despir-se para se relacionar com o que nos acontece, a fim de efetivarmos a experiência, como propõe Jorge Larrosa:

A experiência, a possibilidade de que algo nos passe, ou nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, (...) requer parar para pensar, para olhar, para escutar, pensar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, (...) cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos (...) escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência, e dar-se tempo e espaço. p. 160


            Como um sujeito da experiência, pesquisadora, me coloco diante da pesquisa e intimamente dentro da pesquisa. Não basta olhar de fora, é necessário se implicar, se colocar diante dos fatos que apresentam, diante de das buscas, dos questionamentos, dos atravessamentos.

O sujeito de experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície de sensibilidade na qual aquilo que passa afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos. (...) o sujeito da experiência é um ponto de chegada, um lugar ao que chegam coisas, como um lugar que recebe o que lhe chega e que, ao receber, lhe dá lugar. (Larrosa, 2009, p. 158)

São nas potências dos encontros que acontecem as possíveis transformações. Quando não estamos abertos para vivenciar, para experienciar não conseguimos nos reinventar. Estar disposto é o primeiro passo para as mudanças. Mas normalmente o que presenciamos nos estabelecimentos de ensino, são pessoas cansadas e desgostosas daquilo que fazem. Não se para pra olhar o outro, pra aprender, para experimentar com o outro e do outro. 
Larrosa, afirma que os estabelecimentos educacionais estão cada vez mais acelerados e que destroem, não valorizam e impossibilitam que algo nos aconteça: 

Cada vez estamos mais tempo na escola (e a Universidade e os cursos de formação do professorado formam parte da escola), mas cada vez temos menos tempo. Esse sujeito da formação permanente e acelerada, da constante atualização, da reciclagem sem fim, é o sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria, um sujeito que não pode perder tempo, que tem de aproveitar o tempo porque não pode ser que fique defasado em alguma coisa, não ser que fique pra trás, e por isso mesmo, por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, já não tem tempo. E na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos e mais curtos. Com o quê, também em educação, estamos sempre acelerados e nada nos acontece. (Larrosa, 2009, p. 158)


            Estamos dentro da escola e somos também responsáveis por aqueles que ali estão. Jô Bilac, em uma das falas de suas personagens, afirma:

(...) o esforço é inútil se a gente, de fato, não se propuser a colocar o ensino desses jovens como prioridade em nossas pautas. Eles são a nossa responsabilidade. Não tô me referindo só ao futuro deles. (...) Depende da gente também. Não pode ser  só uma questão de certo ou errado, de aprovado ou reprovado. Educação vai muito, muito além de um boletim. Eles acreditam na gente. (BILAC, 2014, p. 46)


            Não é fazendo das reuniões, ou na sala dos professores um muro de lamentações que chegaremos a uma solução capaz de tocar aqueles a nossa volta. Celso Favareto, partilha da ideia de que nos campos do saber, das práticas e dos comportamentos, a contemporaneidade nas experiências pode ser relevante quando valoriza o que se passa entre os implícitos nas relações:

Afirmar a multiplicidade como potência da experiência contemporânea não significa simplesmente afirmar uma multiplicidade indefinida de experiências e valores. A multiplicidade é relevante quando valoriza o que se passa ‘entre”, o que se elabora não na continuidade e totalidade (...) mas na “transversal”, na associação de signos heterogêneos. (FAVARETTO, 2012, p. 4)


            Diante dos conceitos apresentados por Larrosa, da vivencia no ambiente escolar, me encontro em pleno processo de formar-se como propõe Favaretto, no sentido de ir além, do sair de um universo individual, para uma troca, um estar com outro e se fazer com ele. É estar em pleno devir, modificar minha maneira, para daí modificar o meu redor.




Referências


FAVARETTO, Celso. Transformação em processo. Revista entreideias: educação, cultura e sociedade, América do Norte, 1, out. 2012. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/entreideias/article/view/6516/4762>. Acesso em: 22 jul. 2014.

LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
______. Desejo de realidade. Experiência e alteridade na investigação educativa. In: BORBA, Siomara; KOHAN, Walter (org.). Filosofia, aprendizagem, experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

____. Tremores. Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.