EXPERIÊNCIA
NO CONTEXTO ESCOLAR
Neibe Leane da
Silva
Estamos em constante
transformação, porque na verdade não somos um sujeito pronto, acabado. Percebo
então, que nos reinventamos a partir das
nossas experiências, a partir da necessidade de (re)criar o que está em nós e o que está no devir.
Segundo Jorge Larrosa
“a experiência não é outra coisa se não a nossa relação com o mundo, com os
outros e com nós mesmos. Uma relação em que algo nos passa, nos acontece.”
p.186. Constantemente algo passa por nós, porém nem sempre podemos entender e
compreender isso como uma experiência que realmente tenha nos acontecido, que
realmente tenha nos afetado de uma maneira ou de outra, como propõe Larrosa.
Fica a pergunta: quando algo que acontece
comigo é experiência? A experiência acontece e se comunica a partir do momento
que eu encontro uma ressonância no outro, daí se verifica a potencia dos
encontros, sejam em sala de aula, na rua, no teatro, no bar, nos
relacionamentos. A partir desse estar com o outro, Antoine de Saint-Exupéry
diz:
Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única, e nenhuma substitui
outra.
Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa
só.
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
(Exupéry, 1943)
Pensar nesse
compartilhar dentro da educação, é pensar no educador como um tecedor de
momentos que podem ou não ser significativos para o educando que é um sujeito
aberto: “O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto, ou seja, receptivo,
aberto, sensível e vulnerável. Além de ser também um sujeito que não constrói
objetos, mas que se deixa afetar por acontecimentos.”, Larrosa, p. 187.
Na medida em que a
experiência acontece no contexto escolar, verifica-se nas interações, nos
partilhamentos, na convivência, entre educadores e alunos que há trocas, há
vivencias múltiplas que são resinificadas e aproveitadas de formas diferentes
pelos envolvidos, uma vez que experimentar é vivenciar, é significar, é
(re)criar, é compartilhar. Compartilhamos aquilo que vivemos.
O contexto escolar
permite um constante entre olhar e fazer dos sujeitos que se encontram nesse
processo, no qual formamos e reformamos
o mundo e o espaço que estamos inseridos. È notável que em cada experiência que
nos acontece, que nos atravessa dentro do ambiente escolar, somos capazes de
modificar a nossa forma de ver e fazer determinadas ações antes não percebidas.
Larrosa bebendo nas
fontes de Walter Benjamim, acredita que vivemos num mundo em que a pobreza de
experiências se faz gritante, pois passamos por várias coisas, mas é cada vez
mais raro vivenciarmos de fato uma experiência, como algo que realmente toque,
atravesse os sujeitos envolvidos.
Larrosa de acordo com
Benjamim afirma que vivemos em um mundo com excesso de informações, que não
podem ser entendidas como experiência:
O sujeito da informação sabe
muitas coisas, passa o tempo buscando informação, o que mais lhe preocupa é não
ter bastante informação, cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado,
porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber ( mas saber não no
sentido de “sabedoria”, mas no sentido de estar informado), o que consegue é
que nada lhe aconteça. (p. 154 – ensaios eróticos)
Destaca-se também um
segundo ponto em que a experiência é cada vez mais rara pelos excessos de
opiniões, “ em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa
sobre a qual nos sentimos informados” (p. 155)
Em
terceiro lugar, Larrosa sublinha que a experiência é rara pela falta de tempo.
Tudo acontece rapidamente, através de estímulos efêmeros e fugazes, em forma de
vivencias instantâneas,
O acontecimento nos é dado na
forma de choque, de estimulo, de sensação pura, na forma de vivencia instantânea,
pontual e desconectada. (...). O sujeito moderno é um consumidor voraz e
insaciável de noticias, de novidades, um curioso impenitente, eternamente
insatisfeito. Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de
silêncio. (...) Por isso a velocidade e o que ela acarreta, a falta de silêncio
e de memória, são também inimigas mortais da experiência. (p. 157)
Destaca-se
por último a falta de experiência em
função do excesso de trabalho. Confunde-se experiência com trabalho, que é uma
atividade remunerada ou não, modalidade que se relaciona com as pessoas, e que
nada tem a ver com a experiência em questão.
As
razões apresentadas por Larrosa, afeta o contexto escolar, uma vez que a
experiência está cada vez mais rara, por esse excesso de informação e opinião
sobre tudo; pela falta de tempo e excesso de trabalho. Nós professores
precisamos refletir como conduzir o tempo e a experiência dentro do espaço
escolar.
È
preciso parar pra pensar, parar pra sentir, ir mais devagar, demorar-se nesse
sentir, calar, ser paciente, despir-se para se relacionar com o que nos
acontece, a fim de efetivarmos a experiência, como propõe Jorge Larrosa:
A experiência, a possibilidade de
que algo nos passe, ou nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de
interrupção, (...) requer parar para pensar, para olhar, para escutar, pensar
mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes,
suspender a opinião, (...) cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e
os ouvidos (...) escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito,
ter paciência, e dar-se tempo e espaço. p. 160
Como
um sujeito da experiência, pesquisadora, me coloco diante da pesquisa e
intimamente dentro da pesquisa. Não basta olhar de fora, é necessário se
implicar, se colocar diante dos fatos que apresentam, diante de das buscas, dos
questionamentos, dos atravessamentos.
O sujeito de
experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície
de sensibilidade na qual aquilo que passa afeta de algum modo, produz alguns
afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos. (...)
o sujeito da experiência é um ponto de chegada, um lugar ao que chegam coisas,
como um lugar que recebe o que lhe chega e que, ao receber, lhe dá lugar.
(Larrosa, 2009, p. 158)
São nas potências dos
encontros que acontecem as possíveis transformações. Quando não estamos abertos
para vivenciar, para experienciar não conseguimos nos reinventar. Estar
disposto é o primeiro passo para as mudanças. Mas normalmente o que
presenciamos nos estabelecimentos de ensino, são pessoas cansadas e desgostosas
daquilo que fazem. Não se para pra olhar o outro, pra aprender, para
experimentar com o outro e do outro.
Larrosa, afirma que os
estabelecimentos educacionais estão cada vez mais acelerados e que destroem,
não valorizam e impossibilitam que algo nos aconteça:
Cada vez estamos
mais tempo na escola (e a Universidade e os cursos de formação do professorado
formam parte da escola), mas cada vez temos menos tempo. Esse sujeito da
formação permanente e acelerada, da constante atualização, da reciclagem sem
fim, é o sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria, um
sujeito que não pode perder tempo, que tem de aproveitar o tempo porque não
pode ser que fique defasado em alguma coisa, não ser que fique pra trás, e por
isso mesmo, por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, já não tem
tempo. E na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos e
mais curtos. Com o quê, também em educação, estamos sempre acelerados e nada
nos acontece. (Larrosa, 2009, p. 158)
Estamos
dentro da escola e somos também responsáveis por aqueles que ali estão. Jô
Bilac, em uma das falas de suas personagens, afirma:
(...) o esforço
é inútil se a gente, de fato, não se propuser a colocar o ensino desses jovens
como prioridade em nossas pautas. Eles são a nossa responsabilidade. Não tô me
referindo só ao futuro deles. (...) Depende da gente também. Não pode ser só uma questão de certo ou errado, de
aprovado ou reprovado. Educação vai muito, muito além de um boletim. Eles
acreditam na gente. (BILAC, 2014, p. 46)
Não
é fazendo das reuniões, ou na sala dos professores um muro de lamentações que
chegaremos a uma solução capaz de tocar aqueles a nossa volta. Celso Favareto,
partilha da ideia de que nos campos do saber, das práticas e dos
comportamentos, a contemporaneidade nas experiências pode ser relevante quando
valoriza o que se passa entre os implícitos nas relações:
Afirmar a
multiplicidade como potência da experiência contemporânea não significa
simplesmente afirmar uma multiplicidade indefinida de experiências e valores. A
multiplicidade é relevante quando valoriza o que se passa ‘entre”, o que se
elabora não na continuidade e totalidade (...) mas na “transversal”, na
associação de signos heterogêneos. (FAVARETTO, 2012, p. 4)
Diante
dos conceitos apresentados por Larrosa, da vivencia no ambiente escolar, me
encontro em pleno processo de formar-se como propõe Favaretto, no sentido de ir
além, do sair de um universo individual, para uma troca, um estar com outro e
se fazer com ele. É estar em pleno devir, modificar minha maneira, para daí
modificar o meu redor.
Referências
FAVARETTO, Celso.
Transformação em processo. Revista
entreideias: educação, cultura e sociedade, América do Norte, 1, out. 2012.
Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/entreideias/article/view/6516/4762>.
Acesso em: 22 jul. 2014.
LARROSA,
Jorge. Linguagem e educação depois de
Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
______. Desejo de realidade. Experiência e
alteridade na investigação educativa. In: BORBA, Siomara; KOHAN, Walter
(org.). Filosofia, aprendizagem, experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
____. Tremores. Escritos sobre experiência.
Belo Horizonte: Autêntica, 2014.